Mulheres em Greve Pela Educação: Carta de Princípios aprovada na Plenária

Íntegra da Carta de Princípios aprovada na Plenária das mulheres em greve da Educação federal, realizada no dia 18 de junho de 2024, terça-feira, no auditório do campus Tijuca II do Colégio Pedro II. O Comando Local de Greve do Sindscope ajudou a organizar a atividade, que teve expressiva participação de servidoras do CPII. Cerca de 70 mulheres participaram da Plenária.

Carta de princípios

A luta por educação pública de qualidade é também uma luta feminista

Nós, mulheres em greve pela educação pública federal, reafirmamos nosso compromisso com a luta pela superação das múltiplas formas de opressão, exploração e dominação, por entendermos que a justiça de gênero só é alcançada plenamente numa sociedade profundamente distinta da qual vivemos. Nosso feminismo é anticapitalista, classista,  antirracista, antissexista, anticapacitista, contrário à lgbtqiapn+fobia, ao ecocídio, ao etarismo e à violência colonial. 

A questão da reprodução social e a divisão do trabalho doméstico é crucial hoje para compreendermos o contexto desigual no qual nós, mulheres, estamos submetidas. Dados do IBGE do ano 2021 apontam que nós mulheres dedicamos em média 21,4 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, em comparação com as 11 horas semanais gastas nessas atividades pelos homens. Sendo assim, é importante destacar que não aceitamos como alternativa a privatização dos cuidados e exigimos políticas públicas eficazes no que diz respeito ao compartilhamento dos cuidados, sejam de crianças/adolescentes, idosos, pessoas doentes ou PCDs, sendo a educação pública fundamental nesse sentido.

O sistema capitalista, sustentado pelo trabalho que nós executamos de criar e cuidar de pessoas, invisibiliza essa força de trabalho, conferindo pouco ou nenhum valor a essas atividades e transformando-as em meras mercadorias. Dessa forma, entendemos que o trabalho de produção de pessoas tem primazia sobre o trabalho capitalista para obtenção de lucros. Por isso que nossa luta é por alimentação, moradia, água, saúde e educação! A retração dos serviços sociais públicos é um ataque direto à busca de nossa autonomia e autorrealização. 

O Capitalismo explora a classe trabalhadora se sustentando principalmente na opressão de raça, gênero, além de outras vertentes. Em sua forma atual, essa opressão se manifesta no que denominamos neoliberalismo, exigindo mais horas trabalhadas, reduzindo a remuneração e os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, privatizando empresas públicas que oferecem recursos básicos como energia elétrica, gás, água, transporte, telecomunicação, entre outros, diminuindo o suporte estatal à assistência social, diminuindo a oferta, o acesso e sucateando a saúde pública e a educação pública.

Para nós, o atual cenário representa um momento de desmonte da educação em várias frentes no país: a desvalorização das instituições educacionais públicas devido à falta de investimento decorrente dos cortes orçamentários; os desafios enfrentados pelos estudantes devido à falta de reajuste dos auxílios e bolsas estudantis; a desvalorização dos profissionais da educação, evidenciada pelos baixos salários sem reajuste há oito anos e pela ausência de perspectivas para a recuperação das perdas salariais, em virtude das restrições fiscais existentes.

Hoje, a greve nacional em defesa da educação pública pela valorização de trabalhadores e trabalhadoras da educação federal e pela recomposição dos orçamentos das instituições públicas de ensino, se soma aos movimentos de luta e resistência ao neoliberalismo em toda a América Latina. As políticas neoliberais impõem cortes nos serviços sociais, como saúde, educação e assistência social, o que afeta desproporcionalmente as mulheres, que muitas vezes são as principais usuárias e provedoras desses serviços. Cortes orçamentários nessas áreas podem aumentar a carga de trabalho não remunerado das mulheres, reduzir o acesso a cuidados de saúde essenciais e dificultar o acesso à educação de qualidade.

Além disso, a precarização, a flexibilização e a desregulamentação do trabalho, afeta especialmente as mulheres. Isso resulta em salários mais baixos, condições de trabalho inadequadas e falta de proteção social para as trabalhadoras. Nesse contexto, encaramos ainda o agravamento das desigualdades econômicas e sociais que promovem a feminização da pobreza que aponta para o aumento de famílias pobres chefiadas por mulheres em todo o mundo.

As políticas do atual governo continuam orientadas por teto de gastos, arcabouço fiscal e outras medidas de austeridade pautadas pelos interesses do mercado. Essas medidas frequentemente promovem o extrativismo e a destruição do meio ambiente em prol de lucros  e benefícios privados, desconsiderando os impactos ambientais e sociais. Isso tem trazido consequências devastadoras para as comunidades que dependem diretamente dos recursos naturais para subsistência, como populações quilombolas e ribeirinhas, muitas das quais são lideradas por mulheres. 

No plano ideológico, no qual a educação é um setor estratégico, essas políticas têm promovido valores como o individualismo, a meritocracia, a competição e o sucesso individual a qualquer custo, reforçando modelos de educação dualista, de masculinidade tóxica e perpetuando dinâmicas de poder desiguais entre sujeitos, contribuindo para o aumento da violência de gênero e outras formas de opressão.

Diante disso, lutar pela educação pública é fundamental para garantir os direitos das mulheres. E por isso reafirmamos os princípios de nossa luta e nossos objetivos, enfatizando o papel primordial das mulheres trabalhadoras da educação, a importância de sua atuação em movimentos sindicais e na luta das trabalhadoras e trabalhadores, do investimento em núcleos de gênero e diversidade sexual nas Universidades Federais (UFs) e Institutos Federais (IFs), bem como a criação de protocolos de combate à violência e ao assédio contra mulheres:

> Fortalecer a via feminista para combate ao neoliberalismo: Nosso objetivo é denunciar o neoliberalismo como um sistema que fortalece as estruturas patriarcais, explorando e oprimindo mulheres em todo o mundo. Condenar as políticas neoliberais por agravarem as desigualdades de gênero, aumentando a lacuna entre ricos e pobres e marginalizando ainda mais as mulheres. Destacar como as medidas neoliberais afetam de maneira desproporcional as mulheres e as crianças, aumentando a carga de trabalho não remunerado e limitando o acesso a serviços essenciais como educação e saúde.

> Defender a Educação como direito fundamental: Nossas ações devem sempre ressaltar que a educação pública é um direito fundamental das mulheres e de seusbfilhos e filhas e que sua precarização é uma forma de violência contra as mulheres, negando-lhes acesso a recirsos, bens culturais, serviços e oportunidades, impactando negativamente a conquista de sua autonomia e emancipação.

> Lutar contra a mercantilização da educação: Combater a mercantilização da educação, que transforma o conhecimento em uma mercadoria acessível apenas para aqueles que podem pagar, ampliando as desigualdades sociais, de gênero e raça.

> Resistir à Feminização da pobreza: Denunciar o fenômeno da feminização da pobreza, no qual as mulheres são desproporcionalmente afetadas devido à sua maior vulnerabilidade no mercado de trabalho e às desigualdades estruturais de gênero, raça e classe.

> Valorizar as mulheres trabalhadoras da educação: Valorizar o papel crucial das mulheres trabalhadoras da educação na construção de uma sociedade mais igualitária e justa. Destacar suas lutas por condições de trabalho dignas, salários justos e o reconhecimento de suas habilidades e contribuições para o sistema educacional; Fortalecer, por meio do reconhecimento e da ampliação do investimento, a formação acadêmica e a produção de conhecimento científico e artístico das mulheres.

> Lutar pela criação, investimento e fortalecimento de núcleos de gênero e diversidade sexual: Exigir a criação, o investimento e fortalecimento de núcleos de estudos de gênero e diversidade sexual em todas as Universidades Federais (UFs) e Institutos Federais (IFs), como espaços de pesquisa, formação, e apoio às demandas das mulheres e comunidades lgbtqiapn+dentro das instituições de ensino;

> Incluir as perspectivas de gênero, raça e sexualidade no currículo escolar: Defender a inclusão de perspectivas de gênero, raça e sexualidade no currículo escolar em todos os níveis e modalidades de ensino, promovendo uma educação que desconstrua estereótipos de gênero, raça e sexualidade, que aborde a violência contra as mulheres e promova a igualdade de direitos e oportunidades para todos e todas;

> Criar protocolos contra violência e assédio moral e sexual: Propor a criação e exigir a implementação de protocolos eficazes de combate à violência e ao assédio contra mulheres, dentro das instituições de ensino e sindicatos, garantindo o apoio e a proteção das vítimas, a responsabilização dos agressores e a promoção de uma cultura institucional de respeito e equidade de gênero e raça;

> Organizar a resistência feminista nas universidades e institutos: Reconhecer e fortalecer a resistência feminista dentro das universidades e institutos, promovendo a organização de coletivos, grupos de estudo e atividades de formação que combatam o sexismo, o racismo, o machismo, o capacitismo e outras formas de opressão no ambiente acadêmico. Destacar a luta feminista como uma força poderosa no combate ao neoliberalismo e a precarização da educação pública. Enfatizar a importância da solidariedade entre mulheres e outros grupos oprimidos.

> Ampliar as políticas educacionais de acesso e permanência para mulheres: Lutar pela ampliação do acesso e políticas de permanência das mulheres à educação em todos os níveis, incluindo medidas afirmativas para garantir a igualdade de oportunidades para mulheres negras, indígenas, trans, lésbicas, bissexuais, migrantes, PCDs e mulheres em situação de vulnerabilidade social.

> Criar políticas de atendimento aos filhos, filhas e dependentes sob os cuidados de mulheres: Garantir creches, espaços recreativos, de aleitamento, recursos financeiros e acesso de filhos e filhas de servidoras mulheres a vagas nas suas instituições de trabalho.

> Garantir a participação política e incentivar a ocupação de espaços de poder e tomada de decisão por mulheres: Ofertar espaços de formação política. Produzir e distribuir materiais acessíveis com um recorte de gênero. Garantir a paridade de gênero nas representações, em todos os níveis de decisão, desde parlamentos até movimentos sociais. Implementar políticas institucionais robustas que promovam a inclusão feminina em todas as esferas políticas e sociais. Combater a violência política de gênero. Fortalecer a democracia, a diversidade e a equidade.

Rio de Janeiro, 18 de junho de 2024

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