GT Negras e Negros: Até quando precisaremos repetir que “Vidas Negras Importam?”

É assombroso que toda uma população seja privada de direitos fundamentais mesmo após a Constituição de 1988

Seria natural pensar que após uma operação militar que levou ao assassinato de uma criança ou um adolescente, esse tipo de operação não ocorrerá mais. Entretanto, quando as vítimas são jovens negros ou pobres, o que observamos é a continuidade dessas ações do Estado, não importando quantas crianças e adolescentes já tenham perdido suas vidas.

Não apenas as ações covardes do Estado contra a população negra não cessam – que inclui as crianças em sua lista de vítimas –, como também as famílias das vítimas permanecem desamparadas, a autoria dos homicídios não é elucidada e os assassinos não são punidos.

Dos 12 casos de crianças mortas a tiros em 2020 no Rio, somente um inquérito foi concluído – e isso ocorreu porque o autor dos disparos foi preso em flagrante. Jenifer, Kauan, Kauã, Kauê, Ágatha, Kethellen, Anna Carolina, Douglas, Ítalo, João Pedro, João Vitor, Leônidas, Luis Antônio, Maria Alice, Rayane, Emilly e Rebeca são apenas algumas das vítimas mirins do genocídio que o Estado impôs sobre a população negra nos últimos dois anos.

Quem acha que a matança só ocorre durante um governo explicitamente genocida, como o atual de Bolsonaro, está enganado. Segundo o DataSUS, entre 2001 e 2018, cerca de 140 mil crianças e adolescentes foram assassinados por armas de fogo no Brasil — 70% negras e negros.

Hipocrisia a serviço de uma política

A hipócrita “Guerra às Drogas” – desculpa usada para massacrar com armas de fogo a população negra e pobre – não persegue os grandes traficantes em seus jatos e helicópteros particulares, não apreende as suas armas, tampouco invade laboratórios onde tais drogas são produzidas; mas serve como instrumento de repressão e extermínio de classe, atingindo prioritariamente a população negra, em territórios onde não há produção nem de drogas nem de armas.

O mais assombroso é que todas as faixas etárias dessa população sejam privadas de direitos fundamentais mesmo após a promulgação da Constituição de 1988, que colocou o crime de racismo como crime inafiançável e imprescritível, pavimentou o caminho para o Estatuto da criança e do adolescente, destacou o direito à vida e à dignidade humana e enfatizou em seu artigo 1º que o Brasil é um Estado Democrático de Direito.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (…)

Um estado democrático de direito preconiza o respeito aos Direitos Humanos que são fundamentais e naturais a todos os cidadãos. Entretanto, na prática, esses direitos não são para todos. Foi o que ficou mais uma vez evidente na recente operação policial ilegal e monstruosa na favela do Jacarezinho, que treminou com 29 pessoas mortas, a maioria negros e jovens. Para estes, não há sequer direito à prisão ou julgamento num tribunal. A polícia prende, julga e mata – e ela própria investiga se cometeu abusos. É sintomático que, neste caso, a Polícia Civil do Rio tenha decretado cinco anos de sigilo sobre o relatório da operação, sonegando inclusive do público o conhecimento dos nomes dos agentes envolvidos na operação.

Apesar da democracia admitida no Brasil ser apenas representativa, e não participativa, um homem branco de classe média talvez veja algum sentido no termo “estado democrático de direito”, mas para uma mãe negra da favela esse termo é um disparate, uma zombaria, um deboche que rasga a sua alma e destrói a sua dignidade.

Defender este “Estado Democrático de Direito” é defender o projeto de uma aristocracia e de uma elite brancas, que nem sequer ruborizam ao explorar e oprimir a classe trabalhadora e impor a morte precoce ao povo negro e pobre através de sua exclusão ao acesso a saneamento básico, à alimentação, à moradia digna, à terra ou através das balas, maquiando toda essa barbárie com uma suposta democracia e com supostos direitos para todos.

O racismo, além de estar na origem da formação do capitalismo brasileiro, é estrutura fundamental da sociedade capitalista. Não é difícil perceber que a superação do racismo não virá por ação de um “herói”, por uma luta institucional ou com o desenvolvimento da sociedade capitalista.

A população negra no Brasil é o maior potencial revolucionário do país, não apenas por ser maioria (cerca de 55%), mas também pela sua capacidade de produzir, de lutar e de resistir, comprovada ao longo da história. Esse potencial é temido, principalmente quando as lutas antirracistas vêm crescendo pelo mundo. Não é por acaso que as elites econômicas se colocam como apoiadoras da luta antirracista e criam projetos para atrair jovens negros para difundir uma falsa luta por igualdade racial, apoiada no desenvolvimento e na lógica do capital.

Ao mesmo tempo, políticos que nunca se opuseram ao genocídio e à exploração do povo negro pegam carona na luta antirracista para ampliar seu capital político, fazendo promessas mentirosas, despolitizando a população e tentando convencê-las de que o caminho institucional é a solução para seus problemas.

“O que mais preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons” – Martin Luther King

O caso do George Floyd, que impulsionou diversos protestos antirracistas pelo mundo, culminou com a condenação do policial assassino. Uma condenação histórica que não ocorreria se os protestos nas ruas não tivessem sido tão intensos. Essa condenação não acaba com o racismo, mas mostra que a luta nas ruas – e somente ela – pode trazer alguma mudança.

Aqui no Brasil nós temos muitos e muitos “Floyds” e vários deles tinham menos de 19 anos quando foram assassinados pela polícia. Ninguém precisa dizer que vidas brancas importam, mas os negros precisam afirmar todos os dias que as suas vidas importam. É mais do que necessário a mobilização para uma luta antirracista que torne a afirmação “vidas negras Importam” desnecessária e redundante.

Somente com pressão popular nas ruas poderemos cessar ou pelo menos diminuir as mortes da população negra e de suas crianças. Uma mudança mais profunda, que traga dignidade para todos e emancipe não só a população negra mas toda classe trabalhadora, só virá com um movimento de massas revolucionário, que supere o capitalismo e construa novas relações sociais. Essa transformação é impossível sem a população negra desse país.

GT Negras e Negros do Sindscope
(Grupo de Trabalho do Sindicato dos Servidores do Colégio Pedro II)

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